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Estudo com células-tronco neurais isoladas mostra que ZIKV reduz desenvolvimento cerebral em 40%

Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) mostra que, in vitro, o vírus Zika infecta células cerebrais e destrói tecido cerebral. O estudo intitulado “Zika virus impairs growth in human neurospheres and brain organoids”, que utilizou reprogramação celular e foi publicado no periódico Science, foi desenvolvido em apenas 25 dias. Em entrevista coletiva realizada na segunda-feira (11) na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, Stevens Rehen, pesquisador do IDOR e da UFRJ, e equipe apresentaram mais detalhes da pesquisa.

Segundo Rehen, a reprogramação celular, descrita em 2007 e que rendeu o prêmio Nobel para Shinya Yamanaka em 2012, permite que células-tronco pluripotentes induzidas sejam guiadas para se transformarem em quaisquer células desejadas. Na pesquisa em questão, o grupo transformou essas células em células-tronco neurais, que vão formar o cérebro humano, mas especificamente o córtex cerebral.

A partir de cultura de célula, os autores observaram que o vírus Zika, de fato, é capaz de infectar as células que dão origem ao cérebro humano. Segundo Rehen, “essa é a primeira vez que foi possível observar esse processo de infecção ocorrendo”. O estudo in vitro, segundo ele, revelou que o vírus, além de infectar, consegue se dividir, se multiplicar e se replicar dentro das células que vão formar o cérebro.

Além de trabalhar com as células isoladas, o grupo utilizou estruturas organizadas que simulam o desenvolvimento do cérebro. “Uma das formas de se fazer isso é utilizando neuroesferas, agregados celulares, onde há divisão celular e as células se conectam entre si, simulando estágios bem precoces do desenvolvimento humano”, disse o especialista, mostrando os resultados da comparação que fizeram de neuroesferas com e sem infecção pelo vírus da zika. Aos três dias de ensaio, aquelas que foram infectadas apresentavam, segundo o pesquisador, alteração significativa na organização das células. “Aos seis dias, culminou em total destruição do tecido”, afirmou o especialista, lembrando que esses resultados indicam que, em uma etapa muito precoce, equivalente aos primeiros 15 dias de desenvolvimento, há uma total destruição do tecido nervoso. Tais achados foram observados por microscopia eletrônica.

A terceira parte da estratégia que a equipe utilizou durante a investigação foi baseada no uso de organoides, estruturas que simulam o desenvolvimento de diferentes órgãos do corpo. “Essas ferramentas ajudam não só a testar medicamentos, como, no futuro, poderão ter aplicação em transplantes”, apontou Rehen, lembrando que diferentes cientistas já usaram essa nova tecnologia para simular pulmão, pâncreas e intestino.

De acordo com o cientista, com esses organoides, os pesquisadores criaram então “minicérebros”, com tamanho de dois milímetros. “São estruturas que conseguimos cultivar em laboratório por até três a quatro meses, que simulam o desenvolvimento cortical até dois meses de idade fetal. Apresentam as camadas corticais e outras características do desenvolvimento humano, sendo, portanto, um bom modelo para se estudar o cérebro em desenvolvimento”, afirmou. Como essa tecnologia, o grupo investigou como seria o desenvolvimento desses organoides quando há infecção pelo vírus Zika. “Contabilizamos vários organoides, criando uma curva mostrando o crescimento natural em um período de 11 dias.

Quando esses organoides estão infectados, temos uma redução dessa curva que mostra que existe uma redução de 40% desse crescimento, o que, de certa maneira, simula o que é observado em bebês com microcefalia, dependendo do momento de infecção”, explicou o especialista. Quando o estudo foi feito em cultura de células-tronco neurais isoladas, já havia morte de 80% das células três dias após a infecção pelo vírus da Zika. Organoides, como lembrou o pesquisador, apresentam uma complexidade maior, sendo compostos por esse tipo de célula, mas também por outros tipos celulares mais diferenciados. “É muito provável que o grau de morte celular dependa do grau de desenvolvimento da célula. É por isso, que, quanto mais precoce for a infecção, pior o desenvolvimento”, declarou Rehen.

Outro experimento realizado pelos pesquisadores foi comparar esses achados relacionados à zika com o que ocorre frente à infecção por dengue (DENV2). A pesquisa mostrou, segundo o autor, que o vírus da dengue também é capaz de infectar as células-tronco neurais, tal como o vírus da zika, porém, apesar de a infecção ocorrer, ela não leva a nenhum tipo de alteração nociva durante o desenvolvimento celular: “não há morte celular, as neuroesferas crescem e a curva de crescimento dos organoides se assemelha ao observado na condição controle”, resumiu Rehen, lembrando que esses achados chamam a atenção para a particularidade do vírus da zika e a necessidade de mais estudos.

De forma geral, os estudos mostram, portanto, que a infecção traz consequências que “vão desde uma alteração de morfologia à completa destruição, dependendo do estágio de desenvolvimento em que acontece essa infecção”, destacou o pesquisador na coletiva. Futuros medicamentos A líder do estudo Patrícia Garcez, pesquisadora do IDOR, professora da UFRJ e especialista em microcefalia, também esteve presente no evento, bem como os outros integrantes da equipe do IDOR que participaram da pesquisa (Erick Loiola, Rodrigo Costa, Pablo Trindade e Juliana Nascimento).

Atualmente, a partir de duas plataformas robóticas, os pesquisadores já testaram o efeito cerca de 10 medicamentos – que já são usados em outras doenças – nessas células infectadas pelo vírus Zika. Esses testes começaram a ser conduzidos de forma paralela aos testes iniciais. “O objetivo é buscar estratégias que sejam capazes de reduzir as consequências dessa infecção para as gestantes”, afirmaram, lembrando que “um dos medicamentos já apresentou resultados promissores, pois conseguiu proteger o tecido neural”.

Os autores não deram mais detalhes sobre a droga, pois consideram mais adequado esperar mais resultados antes de divulgar esses dados. Eles pretendem estudar mais profundamente o receptor AXL, “pois se supõe que a infecção pelo vírus da zika, que afeta principalmente as células-tronco neurais, ocorre via esse receptor”. Um dos objetivos dos estudos futuros seria tentar alterar a forma de resposta desse receptor ao vírus. Rehen lembrou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um pedido, que foi assinado pelas principais revistas científicas do mundo,sugerindo agilidade na divulgação dos resultados. “Por isso, os nossos resultados foram divulgados como preprint, o que foi avisado à revista Science e, ao mesmo tempo, submetidos à publicação. Há uma preocupação global de agilidade, tanto que a própria Science divulgou nossos resultados antes mesmo de aceitar o artigo científico. Isso mostra a importância desse momento”, afirmou.

Fonte: Medscape. 12 de abril de 2016.

Foto: Embrião humano na fase de blastocisto, do qual se extraem as células-tronco embrionárias. (Robert Lanza e Nadia Rosentha)

 

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